Base Erosion and Profit Shifting (BEPS) ou, … um global “ Fiscal Big Brother” ?

Agosto/2020

No decurso da reunião dos Ministros das Finanças dos Estados-Membro do G20, realizada em Julho de 2013, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico – OCDE apresentou o “Base Erosion and Profit Shifting Action Plan” (Plano de Ação BEPS), com o objectivo de combater a erosão da base tributária e ao desvio de lucros para jurisdições de baixa tributação.

Neste sentido, o Plano de Ação BEPS pretende marcar o fim de uma época de “laissez-faire” e assinala uma nova era de intervenção dos Estados traduzindo-se, concretamente, na elevação do padrão das “best practices” a serem implementadas, no plano fiscal, pelas empresas no âmbito das suas atividades.

Neste contexto, e face à relevância do Plano de Ação BEPS nas operações não só nos grupos internacionais (embora sejam estes os principais visados) mas também com “danos colaterais” na generalidade das empresas, a Vitis estará atenta às implicações práticas e à necessidade de implementação de procedimentos que dêem resposta a estas exigências.

Muito embora os relatórios BEPS constituam meras recomendações, existem atualmente implicações práticas ao nível da alteração de legislação por parte dos Estados, com a adoção de parte das recomendações já emitidas, sendo expectável que os sistemas fiscais nacionais venham crescentemente a adotar medidas adicionais, razão pela qual os agentes económicos deverão efetivamente monitorizar, de forma efetiva, os impactes resultantes do BEPS ao nível das suas operações e a forma como as mesmas se encontram estruturadas.

 

Algumas destas recomendações, ao serem adoptadas pela EU com a aprovação em janeiro de 2016 de um pacote antielisão e consequente publicação de regulamentos e Directivas tornam-se obrigatórias para os Países Membros. Em especial referimo-nos às ATAD – Anti Tax Avoidance Directives.

As acções recomendadas no âmbito dos BEPS são as seguintes:

Algumas destas recomendações já foram introduzidas no direito interno português por via da transposição das Directivas ATAD entretanto aprovadas.

Podemos assim sintetiza-las: 

1-Assimetrias híbridas

A Lei 24/2020 de 6/7 transpôs parcialmente a Directiva (EU) 2016/1164 alterada pela Diretiva (EU) 2017/952 – regulamentando as assimetrias híbridas com Países terceiros, aditando nomeadamente ao CIRC os artºs 68º-A a 68º-D com aplicação aos períodos de tributação iniciados em ou após 1 de janeiro 2020 e, no que diz respeito às assimetrias híbridas inversas, com início a 1 janeiro de 2022.

As assimetrias híbridas inversas s referem-se a situações em que as Entidades híbridas não residentes são consideradas residentes para efeitos fiscais em Portugal, e aqui tributadas desde que possuam mais de 50% de interesses em Entidades residentes em Portugal.

Uma entidade híbrida é uma qualquer entidade ou mecanismo que seja considerado como entidade tributável ao abrigo de uma jurisdição e cujos rendimentos ou gastos sejam tratados como rendimentos ou gastos de outras pessoas ao abrigo de uma outra jurisdição.

Esta temática faz parte da Ação 2 do BEPS – Neutralise the effects of hybrid mismatch arrangements, com vista a identificar a melhor abordagem para neutralizar o impacte fiscal resultante do recurso a mecanismos de desvio artificial de lucros.

Os principais mecanismos com base no elemento híbrido utilizado (i.e., instrumento financeiro, fluxo de rendimento ou entidade), com implicações  do tratamento fiscal dos respetivos pagamentos concretizando-se  por dupla dedução (i.e., na esfera das entidades pagadora e beneficiária) ou, em alternativa, numa dedução acompanhada de uma isenção (v.g., dedução na esfera da entidade pagadora e isenção na esfera da entidade recipiente).

O âmbito é, contudo, restrito a acordos entre partes relacionadas, sendo exigida uma percentagem de interesses directa ou indirecta de, pelo menos, 25% do capital e/ou rendimentos.

A matéria associada a mecanismos híbridos relacionados com a transferência de activos de outros países comunitários ou terceiros,  prevista na Diretiva EU 2016/1164 e que constava na ATAD 1 e 2, foi transposta para o direito interno português pela Lei 32/2019 de 3/5 nomeadamente com a alteração de vários artigos do CIRC.

De notar que todas as medidas da ATAD 1 e quase todas as medidas da ATAD 2 encontravam-se já refletidas na legislação fiscal portuguesa, nomeadamente:

– Limitações à dedutibilidade dos juros (interest capping rule)

– Tributação à saída (exit tax) – transferência de residência

– Norma Geral Anti-abuso

– Imputação de rendimentos de entidades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado (CFC rules)

2-DAC 6

A norma comunitária DAC 6, a que se refere a Directiva (EU) 2018/822 de 25/5 (que alterou a Directiva (EU) 2011/16), transposta para o Direito interno português pela Lei 26/2020 de 21/7, estabelece a obrigação, por parte dos intermediários fiscais, de declarar operações que possam ser consideradas planeamento fiscal agressivo e que ocorram no âmbito internacional. As obrigações de informação estabelecidas neste regulamento destinam-se aos intermediários fiscais, ou seja, consultores, advogados, gestores ou instituições financeiras, os quais serão obrigados a apresentar as correspondentes declarações perante a Administração Tributária, no âmbito das operações ou negócios jurídicos que feitas pelas partes em dois Estados-Membros da União Europeia ou num Estado-Membro e num Estado terceiro.

Esta norma agora aprovada revogou o DL 29/2008 que de certa forma, já tratava esta matéria

De referir que tendo esta Lei sido promulgada  foi publicada uma nota no site da presidência referindo “dúvidas acerca do alargamento do âmbito da Directiva cominitária  às transacções meramente internas, com os eventuais custos na comparação com outros ordenamentos jurídicos  europeus  que não adoptaram a mesma orientação …”

No âmbito das perturbações causadas pelo Covid 19 e, nos termos aprovados pela Directiva 2020/876, transposta pelo DL 53/2020 de 11/8 foi diferida a aplicação da DAC 6 nos seguintes termos:

– os “intermediários” e os contribuintes relevantes devem comunicar até 28 de fevereiro de 2021 os mecanismos transfronteiriços  ocorridos no período de 25 de junho de 2018 e 30 de junho de 2020;

– os mecanismos a comunicar realizados entre 1 de julho de 2020 e 31 de dezembro de 2020 devem ser efectuados até 31 de janeiro de 2021.

– os mecanismos a comunicar realizados após 1 de janeiro de 2021 devem ser efectuados no prazo genérico de 30 dias a contar do início da aplicação do mecanismo.

3—Preços de transferência

O artº 63º do CIRC (preços de transferência) determina que relativamente às transacções com entidades em situação de relações especiais devam ser contratadas condições idênticas às que normalmente seriam contratadas com entidades independentes.

Embora por força do nº 3 do artº 13º da P 1446-C/2001 as empresas possam ser dispensadas de possuir um “dossier preços de transferência” se tiverem um volume anual de vendas e outros proveitos inferior a 3 milhões de euros, as empresas nas suas relações comerciais com as participadas, deverão sempre salvaguardar situações de relação especial, sem o que poderemos estar perante contingências fiscais.

Com a publicação da Lei 119/2019 de 18/9 foi alterado o regime em vigor com a alteração do acima referido artº 63º do CIRC.

Já de um ponto de vista declarativo, destaca-se a obrigatoriedade de entrega da documentação de preços de transferência à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), no prazo previsto para a submissão da IES, para os sujeitos passivos cuja situação tributária deve ser acompanhada pela Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), ao mesmo tempo que foram redefinidas as coimas por falta da apresentação desta documentação, que passam a ser puníveis com coima de Euro 500 a Euro 10.000, acrescida de 5% por cada dia de atraso no cumprimento das presentes obrigações (nº 6 do artº 117º do RGIT).

Paralelamente, esta Lei abre, ainda, portas à alteração da Portaria de preços de transferência atualmente em vigor (Portaria n.º 1446-C/2001), respondendo ao novo enquadramento internacional em sede de preços de transferência, decorrente da iniciativa da OCDE/G20 referente ao BEPS.

Com as alterações impostas e também com a introdução de novas obrigações declarativas, a AT dota-se de meios que, se devidamente utilizados, poderão, por um lado, conferir uma maior capacidade de análise e identificação de operações que mereçam apreciação, bem como, por outro, aumentar os recursos à disposição da AT para consubstanciar as eventuais correções que venham a ser impostas em matéria de preços de transferência.

Parecem estar, assim, criadas as condições para uma maior e mais eficaz atuação por parte da AT em matérias de preços de transferência, esperando-se um aumento da incidência de ações de inspeção fiscal a este respeito.

Aos contribuintes, resta, de momento, desenvolver esforços no sentido de se adaptarem à alteração legislativa e garantirem o integral cumprimento com as novas obrigações declarativas em matérias de preços de transferência.

4-CbC – Country By Country Report.

No seguimento das recomendações da OCDE no âmbito do Plano de Ação BEPS (acção 13), o artigo 121.º-A do Código do IRC veio introduzir no ordenamento jurídico português a obrigação das entidades-mãe finais, ou as entidades-mãe de substituição de grupos multinacionais, cujo total de rendimentos seja igual ou superior a 750 milhões de euros, e em determinadas situações as empresas constituintes destes grupos, apresentarem uma declaração de informação financeira e fiscal por país ou jurisdição fiscal (“Country-by-Country Report”).

 O n.º 4 do referido artigo determina que qualquer entidade, residente ou com estabelecimento estável em território português, que integre um Grupo no qual alguma das entidades esteja sujeita à apresentação do “Country-by-Country Report”, comunique por via eletrónica a entidade declarante do Grupo, o país ou jurisdição em que esta é residente para efeitos fiscais, o seu número de identificação fiscal e a morada.

A portaria 367/2017 de 11/12 aprovou o modelo e respetivas instruções de preenchimento, permitindo ao sujeito passivo o cumprimento da referida obrigação (mod 55) o qual deve ser feito para as empresas subsidiárias do grupo até ao fim do 5º mês após a data de encerramento do ano fiscal.

Significativas são as coima introduzidas pela Lei 119/2019 de 18/9 que alteraram o nº 6 do artº 117º do RGIT  que refere:

“A falta de apresentação da documentação respeitante à política adotada em matéria de preços de transferência, bem como a falta de apresentação, no prazo legalmente previsto, da declaração de comunicação da identificação da entidade declarante ou da declaração financeira e fiscal por país relativa às entidades de um grupo multinacional, é punível com coima de (euro) 500 a (euro) 10 000, acrescida de 5 % por cada dia de atraso no cumprimento das presentes obrigações”.

 

Em resumo, é de se esperar também uma maior sensibilidade e reforço do controlo da AT em todas estas matérias que constituem os BEPS.

 

Esta comunicação é de natureza geral e meramente informativa, não se destinando a qualquer entidade ou situação particular, e não substitui aconselhamento profissional adequado ao caso concreto.  A Vitis não se responsabilizará por qualquer dano ou prejuízo emergente de decisões tomadas com base na informação genérica e sintética aqui descrita.

O texto foi elaborado com base na melhor informação disponível à data da sua edição